segunda-feira, agosto 01, 2016

outra narrativa cai e deixo
suspenso o olhar que sobre ela

espera
       faz barulho 
              sente medo

se  pisca por palavras se atropela



vai e volta de uma distância à outra
                  fonemas

                    sim

             percebe

mas além

de letras se escuta outra pessoa
mirando em meu olhar que cai também.


                                 Carlos Nascimento

terça-feira, abril 19, 2016


                                        Terceiras Histórias - Namoa


Terceiras Histórias é primeiro álbum da Namoa: parceria formana por Camillo José, Julie Maria, Jonatas Onofre e algumas outras vozes, mãos e lentes como as de Thyago Grilo, Isabela Romeiro Vannucchi e Ricardo Pereira... 
 
 segue o link para audição e download* :
      https://namoa.bandcamp.com/album/terceiras-hist-rias
 *Para fazer o Download é só clicar em "buy now" e digitar 0 na lacuna de preço.

domingo, abril 17, 2016

Depois que seca 
não morre mais não 

Parece que espera 
amadurecer outra vez 

Mas agora por dentro 
Como as conchas 
esquecidas pelo mar  

Trancada, disperça,  
Criando por dentro 
O que não nasce de uma vez.

          Carlos Nascimento 

segunda-feira, fevereiro 15, 2016

caligrafia
para britto


De galhofa no poleiro, os anjos.

Sim: esses putos. Deixa eles lá. Vamos,

corta a singularíssima cebola.
Camada por camada. Escrutina.
Isso, assim. Chama a coisa pela coisa.


Inflama a pena e o que restou de Ícaro.
Antes o rapto que o sexo dos anjos.
Como se diz... “por determinação”.
(Ah, e uma paciência de Jó, claro!)

Culpa de Murphy: onde tem torrada,
vai ter manteiga virada pro chão.
Metafísica alguma nisso. Nada.

Você lembrou bem. Vão lembrar do esforço.
Das palavras mais suadas. E só.

                                Guilherme Delgado

segunda-feira, fevereiro 01, 2016

Almare, Almare




Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.

Fernando Pessoa

I

Vinte anos.
Permaneceu mudo. Ela repetiu, como ele já esperava, mas agora deixando transparecer alguma fúria.
Vinte anos, Ulisses.
Era uma guerra.
E depois?
Era uma viagem.
Era nada. Tudo são histórias.
A portaria do edifício Almare estava deserta quando finalmente decidiu entrar. Certificou-se de que o cheiro de álcool estava devidamente camuflado pelo perfume vagabundo, mas muito forte, que costumava usar. O que procurava só podia estar no número 9 atrás de uma porta de vidro, logo depois de um corredor, numa sala com papel de parede amarelo e flores falsas.
E esse mormaço? Até chegar o inverno vai ser assim.
Fingiu que ouvia o ascensorista dizer isto. Concordou. Ele certamente falava outra coisa. Foi assim com o cego no boteco. Enquanto a cachaça o abraçava por dentro fazendo todo calor de fora do corpo, do recinto, da rua, parecer um alívio. Há muito tempo que ele só sabia fugir, mas agora está voltando. Por isso não importava o que o outro bêbado, com aqueles olhos vazados, tinha para contar. Eram desconhecidos e por mais irmãos que a bebida os fizesse ali, nunca deixariam de estranhar-se.
É aqui senhor, Nono andar.
É aqui senhor, Nono andar.
Ei! Nono andar!
Ah desculpe, desculpe.
Ao sair do elevador tropeçou em algo invisível que depois quase se materializou mais na frente. Então alcançou a porta de vidro, mas de um vidro fosco, na verdade mesmo que fosse transparente, por causa da péssima iluminação do local, não seria possível ver muita coisa do outro lado. Importava? Ele sabia muito bem o que estava prestes a encontrar lá dentro. Entrou. Um estampido e de repente o peito ardeu. Antes que sua vista começasse a escurecer, deixou que o clarão e o susto fossem perdendo força. No outro extremo da sala, quase no ponto em que se formava um triângulo entre duas paredes, com o rosto brevemente encoberto pela penumbra, sentada, xale nos ombros, óculos ocultando os olhos, ela o esperava.
Vinte anos.
Permaneceu mudo. Ela repetiu, como ele já esperava, mas agora deixando transparecer alguma fúria.
Vinte anos, Ulisses.
Era uma guerra.
E depois?
Era uma viagem.
Era nada. Tudo são histórias.

II

O corpo de um homem foi encontrado com um tiro no peito hoje pela manhã numa das salas do nono andar do edifício Almare, na Avenida Guararapes. A vítima ainda não foi identificada, mas o mistério mais intrigante ainda é quem cometeu o crime já que, segundo os porteiros e ascensoristas, ninguém foi visto entrando ou saindo do local. A hipótese de suicídio não foi descartada.

III

Quando Ulisses desembarcou no porto do Recife deixou sua carteira cair no meio das ondas para nunca mais ser encontrada.

IV

Sentada no escuro daquela sala, tão longe do homem que a abandonou, ela pode tremer, fumar em paz e esperar. Sabe que ele está cada vez mais perto. Lembra-se do telefonema do dia anterior. Ele marcando o encontro ali. Onde tudo terminou e agora estava prestes a terminar de novo e para sempre. Sobre as coxas a arma às vezes balança. A vingança tem quase a mesma maciez e mentira do xale que ela usa a contragosto. Os cigarros bem que podiam ser infindos como as horas que antecedem um instante trágico. Ela testa a mão esquerda, depois a outra. Experimenta o peso, como se não tivesse passado as últimas décadas treinando para esse momento. O que lhe causa mais angústia e só agora ela se dá conta é que nunca pensou no que diria antes. Nunca considerou que o antes de tornar-se uma assassina exigia um grande diálogo. Por isso quando ele abre a porta os dois apenas se permitem um grito, uníssono, misto de espanto, saudade surpreendida e alívio. E a arma dispara.